Moradores de 130 áreas de risco em JF convivem com susto e instabilidade
Na Rua João Luzia, no Bairro Três Moinhos, no dia 11 de janeiro, secção da encosta desmoronou e levou aquém secção da via. O aproximação foi fechado para passagem de veículos, mas nenhuma moradia foi interditada (Foto: Fernando Priamo)
Juiz de Fora possui, atualmente, 130 áreas de risco geológico monitoradas pela Resguardo Social. Esses locais são considerados suscetíveis a movimentação de terreno, podendo resultar em deslizamentos e desabamentos de terrenos e edificações, principalmente no período pluviátil. Os riscos variam de R1 a R4, segundo a classificação, sendo R1 risco grave; R2 risco médio; R3 risco cimeira; e R4 risco muito superior. Nessas áreas, consideradas impróprias para o assentamento humano, milhares de juiz-foranos constroem suas moradias e convivem diariamente com a instabilidade e o pavor de que uma tragédia possa ocorrer a qualquer momento.
Quando chove a tensão é maior. As noites de sono são perdidas e dão lugar à vigilância – ouvidos atentos a qualquer estrondo que dê sinal de deslizamento. O sentimento é de desleixo. Sem ter para onde ir, famílias continuam residindo em áreas condenadas, à espera de alguma medida pelo poder público.
Somente no mês de janeiro, a Resguardo Social foi acionada 609 vezes, sendo 244 ocorrências relacionadas a deslizamento de terreno. O grande volume de chamadas está relacionado ao volume de chuvas. Para se ter teoria, o Instituto Pátrio de Meteorologia (Inmet) contabilizou todas as chuvas previstas para os 31 dias do mês somente na primeira quinzena. Em seguida uma trégua, a instabilidade voltou em fevereiro e o amontoado, até o início da tarde de sexta-feira (11), já chegava a 82% do esperado para todo o mês. A exigência fez com que novos movimentos de terreno ocorressem e se somassem aos problemas observados no início do ano.
Convivendo com o pavor
“Eu tive que voltar, não tenho para onde ir”, é o que afirma a facilitar de serviços gerais Lucimar de Paula Silva, de 58 anos. Desde 1987, Lucimar é moradora da Rua José Sobreira, no Bairro Linhares, Zona Leste de Juiz de Fora. Sua morada fica murado de quatro metros aquém do nível da rua. O temor de que a encosta, que fica na secção da frente do imóvel, pudesse ceder, já é velho. “Nós até fizemos obras de contenção cá na frente por conta própria”, explica Lucimar. Porém, no dia 11 de janeiro, tudo veio aquém depois as chuvas contínuas do início do ano.
A terreno invadiu os cômodos da frente enquanto ela dormia. “Há muito tempo nós já estávamos vendo que essa encosta ia descer. As rachaduras no asfalto estavam ficando cada vez maiores e toda vez que chovia encharcava o terreno. Quando o barranco desceu, atingiu os quartos da frente. A sorte foi que, por temor, eu já não estava mais dormindo ali.”
Logo em seguida o deslizamento, a morada foi interditada pela Resguardo Social¨, segundo conta a moradora. “Cheguei a permanecer dois dias fora, mas tive que voltar. Porquê vou deixar minha moradia abandonada cá? Com pânico de que as pessoas entrem e levem as coisas? Não tem porquê”, lamentou, afirmando que aguarda o pagamento do auxílio moradia da Prefeitura. “A mansão está enxurrada de rachaduras, e o meu pavor é que esse barranco desça de uma vez e eu nem possa ver.”
A Rua José Sobreira, onde aconteceu o deslizamento, está interditada para veículos pesados. No entanto, a moradora afirma que caminhonetes e caminhões continuam transitando no lugar. A Resguardo Social afirmou que realiza fiscalização para que a interdição da rua seja cumprida.
Sensação de desabrigo
Na Rua João Luzia, no Bairro Três Moinhos, também no dia 11 de janeiro, os moradores viram a encosta ceder e levar consigo secção da via. O entrada foi fechado para passagem de veículos, mas segundo os residentes, nenhuma propriedade foi interditada. Vânia Ferreira, negociante, mora na rua há oito anos. Segundo ela, a situação é uma tragédia anunciada. “Poucos dias antes desse barranco desabar, eu já havia solicitado a Resguardo Social. Eles vieram cá e tudo o que me disseram foi que era para eu continuar monitorando o terreno e mandar foto caso visse alguma coisa de dissemelhante. Dois dias depois o barranco cedeu. E isso vai sobrevir de novo em outras partes da rua, pois está tudo cedendo.”
“É um bairro ignorado”, afirma Vânia. Segundo ela, os moradores do Bairro Três Moinhos não recebem a devida atenção do poder público. “É um bairro muito muito localizado, próximo ao Meio, mas por não ser elitizado, fica às margens.” Ela reclama que outras partes da rua já estão cedendo, com rachaduras aparentes no asfalto e blocos de terreno deslizando a cada chuva mais poderoso. “No momento de estiagem é que a Prefeitura deveria investir em obras. Nós já não sabemos com quem reclamar, porque uma secretaria empurra para outra. Muita coisa que poderia ser feita não é feita, e depois eles só se ocupam em trabalhos paliativos quando a tragédia já aconteceu.”
Sobre a situação, a Resguardo Social afirmou que trabalha para viabilizar a captação de recursos para realização das obras, mas que ainda não há um prazo definido para que sejam feitas. Já sobre as residências, a pasta informou que a equipe de engenharia não constatou danos estruturais nas casas da rua, por isso não realizou a interdição.
Risco persiste mesmo em seguida um mês
Mesmo já pretérito um mês dos deslizamentos que ocorreram no dia 11 de janeiro, os problemas ainda persistem e se tornam cada vez mais críticos na medida em que períodos de chuva retornam à cidade. Na última semana, Juiz de Fora apresentou precipitações contínuas em diversas regiões. No Bairro Vitorino Braga, onde, no início do ano, um deslizamento de terreno fez com que a Resguardo Social interditasse 43 unidades habitacionais, a chuva dos últimos dias trouxe ainda mais instabilidade para os moradores.
O pior cenário é notado em uma encosta entre as ruas Rosa Sffeir e Vitorino Braga. O terreno cedeu em janeiro e, desde logo, nenhuma mediação de contenção foi feita. Na manhã desta sexta-feira (11), porém, o lugar foi visitado pela prefeita Margarida Salomão (PT) e por uma comitiva de vereadores. Em um vídeo publicado em suas redes sociais, a prefeita propôs soluções. “É uma das áreas mais perigosas do município. Eu vou priorizar de forma exclusiva a solução desse problema em termos de demolição de alguns prédios na rua Rosa Sffeir que estão contribuindo para esse deslizamento.” Outras propostas envolvem a colocação de uma lona impermeável para evitar o escorregamento da lodo para mansão dos moradores, assim porquê o estudo para interdição do trecho onde ocorre, nas palavras da prefeita, a “avalanche” de limo.
Em contato com a reportagem, a Resguardo Social afirmou que nenhuma pessoa ficou desabrigada, os moradores dos imóveis interditados estão em casas de parentes ou foram encaminhados para o auxílio moradia. A pasta também afirmou que a via foi fechada por conta do deslizamento. Há expectativa de que os imóveis sejam demolidos já na próxima semana. Sobre a limo que invadiu a moradia dos moradores, a Resguardo Social nega que um novo escorregamento de terreno tenha ocorrido. “O que aconteceu é que, com as chuvas dos últimos dias, o solo solto proveniente do escorregamento na encosta foi onusto e ficou depositado na via”. Ainda segundo a nota, equipes do Demlurb realizaram lavação e raspagem de lodo no lugar.
Imóvel desaba na Zona Leste
Ainda na última semana, na madrugada de terça-feira (8), um imóvel desabou parcialmente na Rua Celso Nunes Leal, no Bairro Bonfim, Zona Leste. A residência já estava interditada pela Resguardo Social desde a última semana, em seguida o emergência de rachaduras na estrutura. O desabamento não deixou vítimas, mas informações colhidas com moradores dão conta de que o imóvel passava por instabilidade. Segundo eles, o motivo seria a erosão na rede pluvial da região, problema que estaria causando risco a outros imóveis próximos.
Sobre a situação, a Resguardo Social informou, por meio de nota, que “já adquiriu os materiais necessários para a construção de muro de 300 metros de uma novidade rede pluvial entre a Rua Horanides Maria Aparecida e Rua Otávio Pereira Torres, em substituição à atual, que está quebrada”.
Risco iminente
O risco de deslizamento de terreno também foi constatado pela reportagem na Parque Ilva Melo Reis, próximo ao número 2.227, no Bairro Terras Altas. A região tem trânsito frequente de veículos que vão para o Bairro Retiro, em Juiz de Fora e para os municípios vizinhos, porquê Bicas e Leopoldina. A encosta passa por um lento processo de escorregamento, levando consigo a vegetação que já invadiu secção da rua. No entanto, na região não há casas próximas e a Resguardo Social afirmou não ter recebido nenhuma ocorrência relacionada ao lugar.
Também na Zona Leste, outro ponto que está interditado por risco de deslizamento é a Avenida Antônio Miranda, que dá entrada ao Bairro Guaruá. A rua dá sinais de aumento das rachaduras no asfalto, com vegetação crescendo e invadindo a pista. A Resguardo Social afirma que realiza o monitoramento do lugar e que uma obra de contenção será realizada na encosta, segundo a pasta, o projeto está em tempo de revisão.
A interdição por ameaço a deslizamentos de terreno é observada também na Rua José Lourenço, no Bairro Mariposa, Cidade Subida, onde o trânsito está impedido desde setembro. A região, mapeada porquê de basta risco (R4), possui trechos de escorregamento de solo por toda a via. A Resguardo Social informou que o projeto para a obra de contenção na Rua José Lourenço está em período de elaboração e os recursos para a obra serão oriundos de entendimento do estado com a mineradora Vale.
A Rua Vicente Beghelli, no Bairro Dom Bosco, também sofreu com um deslizamento de terreno em decorrência das chuvas do início do ano. Na região, secção de um terreno pessoal cedeu e chegou a obstar a via. A moradia dos caseiros ficou pendurada em seguida o deslizamento e foi interditada pela Resguardo Social. De convenção com moradores da região, a família ainda habita no imóvel, porém a reportagem não conseguiu entrar em contato com os caseiros.
Sobre as obras de contenção, a Resguardo Social reforçou o decreto de estado de emergência que foi publicado no dia 11 de janeiro pela Prefeitura, fazendo com que o pleito a recursos estaduais em resposta às consequências de desastres naturais seja facilitado. Com esses recursos, a pasta informou que a atual gestão está investindo em projetos para realizar obras de contenção que solucionem problemas estruturais.
Dois anos sem solução
Somado aos problemas ocasionados pelas chuvas mais recentes, se juntam aqueles já antigos e que ainda não tiveram solução. Há dois anos, no dia 14 de fevereiro de 2020, uma moradia desabou na Rua São José, entre os bairros Santa Cândida e São Benedito. Na ocasião, um varão de 53 morreu.
Ainda hoje a situação no lugar sátira. De conformidade com o mapeamento de áreas de risco da Resguardo Social, a região é uma zona de cimeira risco (R4). Depois o deslizamento de terreno ocorrido em 2020, residências foram interditadas e a passagem dos carros totalmente impedida na rua supra, a Arthur Machado Fruto. No entanto, muitas famílias, sem ter para onde ir, retornam às casas, mesmo sabendo do risco iminente de um novo sinistro.
Carolina Lopes mora na Rua São José com a família, os pais e seu fruto de somente três meses. A moradia fica a poucos metros do lugar onde ocorreu o desabamento em 2020. “Quando aconteceu aquela tragédia nós ficamos surpresos. A gente tinha certeza que, se fosse para desabar uma mansão nessa rua, seria a nossa. Isso porque, depois que compramos, fomos deslindar que já havia diversas ocorrências abertas na Resguardo Social com possibilidade de deslizamento de terreno. Hoje o nosso temor é que as casas da rua de cima desçam e levem tudo.”
Carolina conta que a situação do imóvel está precária, com rachaduras cada vez maiores nas paredes e inclinação visível do solo. “Quando chove ninguém dorme. Minha mãe reúne todo mundo na sala e ficamos atentos a qualquer estrondo. Ainda mais agora, com o meu menino de três meses. É desesperador.”
Conforme explica, a família não teve recta ao recebimento do auxílio moradia, pois, na estação, o pai era motorista com carteira assinada. “Hoje o meu pai está desempregado e minha mãe é diarista, não recebe uma renda fixa. Por isso tivemos que deixar a lar de aluguel onde estávamos morando nos últimos dois anos e voltar. A situação era muito complicada, nós tínhamos que remunerar o financiamento dessa moradia, mais o aluguel da outra, não tínhamos mais condições.”
Em nota, a Resguardo Social afirmou que realiza o monitoramento da dimensão e o projeto de obras para o lugar está em tempo de revisão na Secretaria de Obras. Já sobre as pessoas que residem em casas condenadas, o órgão ressalta que os moradores que tiveram os imóveis interditados assinaram um termo se responsabilizando pelo não cumprimento da orientação. “A equipe de Serviço Social da Resguardo Social atende todas as famílias que tiveram suas casas interditadas, orientando e acolhendo. As famílias que apresentam um perfil de convenção com critérios estabelecidos pela lei municipal 14.214/202 são encaminhadas para o auxílio moradia”, informou.
A lei municipal 14.214/202 foi sancionada em julho de 2021 e objetiva a licença, pela Prefeitura, de subvenção financeiro de caráter eventual talhado ao custeio de despesas com o pagamento de aluguel de imóvel residencial e demais gastos emergenciais relacionados à habitação.
Relevo do município contribui para aumento das áreas de risco
O professor da Universidade Federalista de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador do Núcleo de Estudo Geoambiental, César Barra, coordenou um mapeamento das áreas de risco no município em 2004 e continuou acompanhando a situação, juntamente com o Corpo de Bombeiros, até o ano de 2017. Segundo ele, a maioria das características que contribuem para o prolongamento das áreas de risco continua as mesmas daquelas observadas em anos anteriores. “Juiz de Fora está localizada no vale do Rio Paraibuna, o que faz com que o relevo seja montanhoso, marcado por altitudes elevadas. Isso contribui para que o município tenha muitas áreas de risco. Na Zona Leste, por exemplo, nós temos a passagem de córregos que deságuam no Paraibuna, o que torna o solo mais instável.”
Além dos fatores relacionados à estrutura geológica de Juiz de Fora, a subida precipitação e a ação humana também são aspectos que sobrecarregam determinadas regiões, tornando-as mais perigosas. “Quanto mais o terreno tem essa declividade, mais o solo perde a sua coesão, o seu ângulo de atrito interno. Logo, se chover, a chuva entra nesse solo muito íngreme e isso aumenta as chances dele se romper. A mediação do ser humano, que coloca peso em cima dessa estrutura, através da construção de casas, por exemplo, também sobrecarrega o terreno. Juntando essa subida declividade com a subida pluviometria, o solo encharcado, e o peso em cima do lugar, não tem solo que aguente.”
Mesmo diante do risco, César Barra ressalta que muitas pessoas ainda estão vivendo nessas condições por falta de aproximação a recursos financeiros, o que coloca secção dessa população em situação de vulnerabilidade. “Algumas pessoas, por não terem moeda para comprar um terreno em uma extensão segura, acabam invadindo essas áreas de risco. Logo, nesses locais, geralmente, são ocupações de pessoas que não tem outro lugar para morar.”
A solução para o problema é complexa, já que a cidade sofre com o agravamento e a deterioração de diversas áreas há muito anos. Mas apesar da dificuldade em realocar as pessoas que já vivem nesses locais, algumas adaptações podem ser feitas para alertar a população em caso de acidentes.
“Uma coisa que a Prefeitura poderia fazer é instalar sistemas de alerta em locais de risco, tanto em áreas com verosimilhança de movimentos de massas de terreno, porquê em áreas com risco de aluvião. Outras cidades da região já tem esse tipo de sistema. Quando começa a chover, os pluviômetros instalados em lugares estratégicos contabilizam a quantidade de chuva. Se a chuva acumulada atingir um nível específico, que demonstra risco para o lugar, uma sirene avisa os moradores e eles desocupam a espaço.”
Bombeiros trabalham de forma emergencial e preventiva na cidade
O Corpo de Bombeiros em Juiz de Fora acompanha a situação no município e desenvolve tanto medidas de socorro, quanto de prevenção aos moradores que se encontram em regiões mais vulneráveis. Segundo o capitão Yuri Eder Caetano, o número de ocorrências aumentou nascente ano diante das fortes chuvas que atingiram o município no mês de janeiro. “Nós tivemos vários casos de deslizamento de terreno, desmoronamento de fundação e, principalmente, de muros de encostas.”
Esse cenário aumentou a preocupação dos militares e os trabalhos a serem feitos nas áreas afetadas. “A gente tem feito prevenção nas áreas de risco, mapeamento desses locais e também estamos colocando lonas de maneira emergencial nos locais mais prejudicados, já que nós já estamos no período de chuvas. Os locais que têm mais demandado essa prevenção de proteção de encostas são os da Zona Sul, Bairro Santa Luzia, na Zona Leste, Bairros Linhares e Três Moinhos, e na Zona Setentrião, Bairro Santa Cruz.”
As orientações para quem mora em áreas de risco são muitas e vão desde a premência de edificar habitações regulares, até entrar em contato com os Bombeiros em caso de estalos ou rachaduras nos terrenos. “A principal dica que a gente passa é que as pessoas não construam casas nesses locais de risco. Que ela procure a orientação de um engenheiro habilitado para estar orientando no caso de construção. No caso da pessoa já morar em um lugar de risco, nos momentos de chuva é importante que ela deixe sua lar e vá para a moradia de qualquer parente ou qualquer camarada próximo. Se houver a suspeita de alguma trinca em barranco, qualquer estrondo dissemelhante porquê instalo em edificações, o morador deve vincular para os bombeiros pelo 193 ou logo para a Resguardo Social. Nós vamos encaminhar um responsável para o lugar fazer a vistoria.”
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