Em Brumadinho, a Vale prepara outra tragédia

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Por Elisangela Colodeti e Naiana Andrade, no Brasil de Vestimenta

O vez de trabalho de mineradores terceirizados da Vale seguiu a rotina, neste sábado (19), em Brumadinho (MG), apesar de os funcionários se sentirem inconsoláveis com a morte do camarada Júlio César de Oliveira Cordeiro, de 34 anos. Ele era contratado pela empresa Vale Verdejante, terceirizada da mineradora Vale, e foi soterrado na última sexta-feira (18) em seguida um deslizamento de terreno de talude na Mina do Riacho do Feijoeiro. 

Um desses funcionários, que não quis se identificar, disse à reportagem do Brasil de Vestimenta que, em vez de guarida e palavras de conforto, ouviram da chefia: “Vocês precisam saber que trabalham na mineração, numa extensão com risco de rompimento, e cada um de vocês precisa ter a consciência que, assim porquê Júlio, pode não voltar mais para mansão”.

Há anos, o sentimento de pânico é um pouco que acompanha o dia a dia dos trabalhadores da mineração e moradores do entorno, principalmente depois do delito da Samarco em Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015, que deixou 19 mortos e um impacto ambiental devastador. Quatro anos depois, o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019, matou 272 pessoas, sendo que 11 continuam desaparecidas. A maioria das vítimas teve a vida ceifada enquanto vestia a camisa das empresas.

O operador de retroescavadeira Júlio César é a vítima mais recente. Morreu por asfixia, segundo laudo do Instituto Médico Lítico (IML) de Minas Gerais, depois do desmoronamento de secção da encosta de um talude, que é um projecto de terreno predisposto construído para prometer a firmeza do aterro e moderar os rejeitos de mineração. Cordeiro era casado e pai de um bebê de quatro meses. No dia da morte, chovia na região e ele fazia a limpeza da barragem B1 da Mina do Regato do Feijoeiro.

Fotos que circulam nas redes sociais mostram o lugar da morte e o momento em que o corpo de Júlio foi retirado dos escombros, com ajuda de uma retroescavadeira. – Créditos: Divulgação/Corpo de Bombeiros

De negócio com Tatiana Telles e Koeler de Matos, encarregado da Separação de Medicina Lítico do Interno da Polícia Social de Minas Gerais, o corpo da vítima deu ingressão no Posto Médico Lítico de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, porquê ignoto. “Ao iniciarem os trabalhos de necropsia, encontraram um crachá e foram feitas diligências junto ao setor de saúde da empresa Vale, no sentido de se contactar a família para que esta comparecesse ao IML para o reconhecimento do corpo, que ocorreu na manhã de sábado (19)”.

A família de Cordeiro vive na cidade de Santa Luzia (MG) e o trabalhador estava aninhado em Mário Campos, que faz lema com Brumadinho, há pelo menos 15 dias. 

Rotina dos trabalhadores da mineração

Amigos da vítima relatam o temor de seguir na mineração. Emocionado, um dos trabalhadores, em áudio que circula em grupos de trabalhadores e que foi enviado ao Brasil de Vestimenta, fala sobre o risco de trabalhar na extensão.

“Eu falei, eu já tinha avisado ao meu supervisor. Os engenheiros falaram que a gente podia subir. Essa chuva que deu ontem avacalhou o trem todo. Esse trem tá perto de estourar de novo, esse demônio desse trem. Que raiva desse demônio desse trem, essa empresa cá não presta, não”, desabafa. 

Dias antes da morte desta sexta-feira, outro trabalhador registrou seu pavor, por meio de um vídeo, diante dos riscos da atividade minerária. Ele pede que sua família guarde seu prova porquê prova da violência invisível que sofre a cada dia na mineração em Brumadinho.

“Estou fazendo esse vídeo cá pra me precaver. Se ocorrer qualquer coisa, vocês mandam pra minha família, minha mãe. Isso é um contra-senso, essa barragem cá, olha. O trem está todo encharcado. Olha onde que eu estou, esse inferno cá, olha. Isso cá é o inferno, isso cá não pode subsistir não. Olha isso cá, olha lá. ‘É os primeiro’ a morrer. Mas infelizmente precisa, né? Precisa. Se vocês não conhecem o inferno, é só vir cá”, declara.

Segundo Marta Freitas, coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), historicamente, as mineradoras não zelam pela segurança adequada dos seus trabalhadores e infringem leis. “A mineração é o lugar mais perigoso do mundo para se trabalhar. No caso do Brasil, a chance de você morrer na mineração é três vezes maior do que em qualquer outra atividade. As condições de trabalho são péssimas, mesmo nas grandes empresas, que têm programas internacionais e certificados. Na prática, elas não respeitam a legislação”, denuncia. 

Ainda de concordância com Freitas, as mineradoras descumprem sistematicamente a norma NR 22, que regulamenta a segurança e a saúde ocupacional de trabalhadores da mineração. 

“A norma prevê, por exemplo, que o trabalhador tenha o recta de se recusar a realizar uma atividade caso se sinta em risco na operação. Mas recusar porquê? Ele tem que falar com o dirigente e, se o encarregado não concordar, precisa falar com outro de maior intensidade na jerarquia. Quem avalia se você vai ou não continuar porquê terceirizado? Trabalhar em mineração significa ter direitos negados. Um deles, que a Organização Internacional do Trabalho aponta, é exatamente essa vexação, o desrespeito, o assédio”, conclui.

Violência Invisível

Cordeiro morreu na mesma data em que foi reconhecido na Plenário Legislativa de Minas Gerais (ALMG) o projeto de Lei 1200/15 que qualifica os direitos e a luta da população atingida por barragens. Apesar da vitória, Minas Gerais ainda está longe de comemorar avanços concretos na legislação. 

Meses depois da ruptura da barragem B1, em Brumadinho, em julho de 2019, outro trabalhador gravou um vídeo* na barragem B6, onde uma obra seria feita, denunciando os riscos que poderiam envolver a mediação. O material foi enviado diretamente à reportagem do Brasil de Veste.

“Eles estão querendo que a gente faça um galanteio de 13 metros de profundidade. Tem uma sonda em cima, muito no talude, tem uma sonda embaixo, no pé do talude, onde vai iniciar o galanteio, que vai até o encontro do talude da B6. Estou trabalhando com pavor. A barragem 6 tá tranquila no momento, mas o que sobrou da 1, na sexta, teve uns tremores de 2 graus. Lá em cima, na ombreira esquerda. Estou com pânico”, afirma.

A obra chegou a ser paralisada depois de denúncias, mas foi retomada com seguimento de auditores do Ministério Público de Minas Gerais e do Corpo de Bombeiros. Nenhum acidente foi registrado no lugar. Segundo apurou a reportagem, esse trabalhador decidiu deixar o serviço por pavor de morrer durante a atividade

Recomeço

Em 25 de janeiro de 2019, Reinaldo Augusto das Chagas, aos 41 anos, viveu o pior dia da sua vida, e renasceu da lodo. Ele dirigia um caminhão-pipa de uma empresa terceirizada e estava dentro da extensão da mineradora Vale no momento do rompimento da barragem B1. Ele é um dos 64 sobreviventes da tragédia. 

Reinaldo Chagas sobreviveu ao rompimento de Brumadinho (MG), ao retornar ao trabalho na terceirizada da mineradora também se deparou com abusos e saiu da empresa / Carlos Hauck

Reinaldo diz que sentiu o soalho tremer e viu a avalanche de rejeitos passar por cima de colegas que gritavam por socorro. Mesmo depois de quebrar o pé na tentativa de fugir, ele conseguiu continuar correndo, com o esteio de um sobrinho, que pedia para que ele não desistisse. Reinaldo se emociona ao lembrar do sentimento de insuficiência por não ter conseguido salvar os amigos.

“Depois que souberam que havia sobreviventes, a mineradora mandou um ônibus para buscar a gente. Me deixaram no ponto e eu caminhei até minha moradia, porquê se fosse um dia qualquer de trabalho. Andei um quilômetro, por meia hora, com a roupa completamente suja de limo e o pé quebrado. Ao chegar à rua, uma surpresa: todos estavam me esperando. Foi muito emocionante!”, conta, lembrando que passou 6 horas sem contato com a família, ainda nas instalações da Vale.  

A foto, postada pela mana de Reinaldo nas redes sociais, mostra a chegada do trabalhador e de seu sobrinho sobreviventes.   / Reprodução

Reinaldo relata que até hoje não foi chamado pela Vale para passar por nenhum fiscalização médico e que foi convocado para voltar ao trabalho menos de uma semana depois a tragédia. Em um momento em seguida seu retorno, no refeitório, ele teria escutado críticas de um gestor devido à tristeza e ao diminuição da equipe. “Ele falou pra gente que quem morreu, acabou. Quem ficou tinha que trabalhar e deixar o pretérito para trás. Eu fiquei revoltado”, relata.

Uma revolta que levou o trabalhador a deixar de vez a mineração e investir em outro caminho, segundo ele, mais seguro e digno. Abriu um lava-jato, onde trabalha diariamente, com a ajuda da família. Ele veste o uniforme usado no dia do sinistro. “Eu uso porquê um talismã de sorte. Me lembra da minha força naquele momento. Eu não libido aquilo para ninguém”

A morte de mais um trabalhador é, para Reinaldo, a comprovação de uma tragédia anunciada. “Já havia rumores de que o lugar era instável. O banco já estava desabando, e eles estavam arrumando. Sabiam do risco, o que demonstra, mais uma vez, a imprudência. Aí a gente se pergunta: até quando as pessoas vão precisar morrer e as famílias chorar a dor da perda dos seus parentes?”, questiona.

Sindicato diz ter alertado a Vale 

Segundo Eduardo Armond, diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada de Minas Gerais, desde o ano pretérito, reuniões são solicitadas à Vale. O objetivo desses encontros seria discutir a situação de segurança e saúde dos trabalhadores em todas as suas áreas de atuação. 

“Em peculiar, queremos o cumprimento da NR 22. Até hoje não conseguimos retorno da mineradora para elaboração das comissões de situação de trabalho. Nós avisamos que, com as chuvas, a tendência era ocorrer outra tragédia. Nosso libido era o de prevenir, solicitar urgentemente que o ritmo de trabalho diminuísse e tivesse comitiva do sindicato, mas a Vale não nos retornou ainda”, afirma.

Sobre as denúncias de assédio por secção de gestores da Vale para que funcionários cumpram suas atividades, mesmo que abalados psicologicamente, Armond afirma que tais relatos são recorrentes. “Sei que denúncias de assédio por secção de lideranças das terceirizadas são comuns. O que acontece é que a Vale pressiona as terceirizadas e essas reproduzem o assédio”, argumenta.

Neste domingo (20), o  sindicato informou que a novidade solicitação para constituição da percentagem de situação de trabalho na mineração foi atendida pela Vale. A reunião foi marcada para esta segunda-feira (21). 

Os alvarás de funcionamento e localização da Vale e de suas terceirizadas na cidade estão suspensos por um decreto da prefeitura de Brumadinho. Segundo o documento, o objetivo é que as causas da morte possam ser esclarecidas e “garantidas as condições de segurança para os trabalhadores que atuam no lugar”.

Até o fechamento desta reportagem, a assessoria de prelo da mineradora não atendeu às ligações e solicitações de resposta enviadas por e-mail pelo Brasil de Vestimenta.

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