O lado B da moralidade – 03/02/2021 – Silvia Corrêa
Passei alguns dias no sul dos Estados Unidos neste prelúdios de ano. Estava no Alabama, coração do eleitorado conservador, quando os partidários do republicano Donald Trump invadiram o Capitólio durante a enumeração dos votos do Escola Eleitoral, que confirmou a vitória do democrata Joe Biden.
Alabama e Alasca já tinham oferecido os votos a Trump, quando a sessão foi interrompida para discussão da apuração do Estado do Arizona. Pouco depois, o plenário foi invadido.
Na TV, as cenas eram assustadoras. Na sala da morada onde eu estava, minha sogra, uma gulosice latina de quase 90 anos, falava ao telefone. Apoiava os invasores e esbravejava contra os democratas, “que tinham ferido a lei e aplicado um golpe em Trump”.
Fiquei feliz por estar ali aos 46 e não no auge dos meus 20 e poucos anos. A vida, feliz ou infelizmente, me ensinou a emudecer —mas ainda não me impede de pensar.
E muito silenciosamente percebi que assistia ao vivo o paradoxo da moralidade: apoiamos o contra-senso exatamente para combater o que julgamos contra-senso; apoiamos a violência contra o que consideramos violento.
A história está recheada de exemplos assim. São casos porquê os de ativistas que bombardeiam clínicas de planejamento familiar e matam voluntários para, de consonância com as convicções deles, “proteger a vida”. São os protestos que terminaram em dezenas de mortes para pedir, por exemplo, o término das mortes na Guerra do Vietnã.
Em que momento o que era impudico se torna moral? De que forma nossa crença atropela a reprovação racional a atos extremos e passa a aprová-los, porque eles servem a fins que consideramos desejáveis? Enfim, o que é moralidade e onde ela está no cérebro —se é que está?
Secção das respostas está em um estudo da Universidade de Chicago, publicado na última edição de 2020 da revista científica AJOB Neuroscience. Nele, 41 homens e mulheres americanos, entre 18 e 38 anos, responderam a diversas questões sobre crenças e engajamento político, de forma que os pesquisadores pudessem entender o conjunto de valores morais dos voluntários.
Em seguida, durante um fiscalização de sonância magnética funcional, cada um deles via uma frase (por exemplo, imigração ilícito) e tinha que clicar em botões de aprovação ou reprovação ao que lia. Clicado o botão, o mesmo voluntário via uma imagem de um conflito e deveria responder “o quão apropriada era a violência ali retratada”.
O resultado mostra que os circuitos neuronais acionados por uma violência com a qual concordamos (porque supostamente combate alguma coisa que queremos combater) são completamente diferentes dos circuitos cerebrais acionados por atos de violência que condenamos, porque combatem o que aprovamos.
Quando moralmente condenamos a violência, acionamos nosso córtex pré-frontal dorsolateral, estrutura que conhece e impõe o reverência às normais sociais (aquelas que consideram os confrontos inadequados).
Mas, quando a violência reforça nossas convicções morais, acionamos estruturas cerebrais mais internas, que formam nosso rotação de recompensa e que permitem uma resposta baseada em valores subjetivos, dando um chega-pra-lá no córtex pré-frontal. É a neurociência da decisão.
O julgamento político do republicano Donald Trump, denunciado de incentivar os atos de violência no Capitólio, começa na semana que vem. Mas os circuitos neuronais de cada julgador foram construídos ao longo de décadas. Os deles e os nossos.
Vocês se lembram do Dexter (que, aliás, volta no segundo semestre), o pai de família e venerando funcionário da polícia de Miami, que, à noite, agia porquê um malfeitor em série, aplicando seu próprio código moral?
No livro que deu origem à série, Dexter narra o que sente em seguida cometer um de seus crimes: “Às quatro e meia da manhã o padre estava todo limpo. Eu me senti muito melhor. Matar faz eu me sentir muito. (...) É uma liberação gulodice, uma liberação necessária de todas as pequenas válvulas hidráulicas internas (...) Tem que ser feito da maneira certa, na hora certa, com o parceiro notório —muito complicado, mas muito necessário”.
Somos assim: admitimos a violência quando ela está a serviço do que acreditamos. Nossos circuitos neuronais, no fundo, são maquiavélicos e atuam porquê se os fins justificassem os meios.
O problema é quando começamos a confiar, porquê Dexter, que a violência é necessária.
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