Fernão Lara Mesquita: S que fazer depois do grito
Publicado no Estadão
“Grito da Independência”, “Proclamação da República”, “Abaixo a ditadura!”,“Fora Collor”, “Fora Corruptos!”. Até aí nós sempre conseguimos chegar. S problema tem sido o que fazer em seguida.
“Criar uma consciência política”, parir com discursos “uma consciência cidadã”, esperar que desça do firmamento “honestidade na política”, tudo isso não passa de reza. Não existe a hipótese de fazer “a” reforma política ou mesmo “uma” reforma política (ou tributária, ou judicial, ou eleitoral, ou…). P ilusão confiar que coisas porquê essas possam ser “resolvidas” de uma vez para sempre e por “alguém” além de nós mesmos.
A política – a arte de organizar a vida em sociedade – é jogo para ser jogado por todos e conforme vier a esfera. “Falta de cultura de participação” não é desculpa, é efeito da doença política latina e brasileira. Participação política só vira “cultura”mediante o incentivo do efeito, só se estabelece onde participar realmente muda o resultado do jogo. Fora daí se cai no conformismo e nas explosões esporádicas de ódio revolucionário.
No término das contas não há zero de tão sofisticado assim neste nosso embate. Não é de modelos econômicos que se trata. Nunca foi. Não há projetos antagônicos em disputa nem no país nem no mundo. Joaquim Levy ou não Joaquim Levy foi um dilema individual do PT. Ninguém de fora interferiu. Por cima da depravação e da incompetência que se vê, o que está em jogo é o mesmo de todo o sempre: quantia lucro no tenro, a força viciante do privilégio e o poder quase divino que rende distribuí-los.
Isenção de impostos, lucro sem risco, o pódio via BNDES. Mais de 12 “bolsas família” foram distribuídas aos “empresários” do “capitalismo de quadrilha” que se instalou. Emprego guardado pela evo, aumentos de salário sem entrega de resultado, aposentadoria de rei e “hereditária”. Só os 980 milénio aposentados e pensionistas do governo federalista (ponha 25 estados e 5.570 municípios de molho) geram um déficit na Previdência de quase R$ 93 bilhões por ano, do que custam todos os 32,7 milhões de aposentados e pensionistas do resto do Brasil inteiro. Como estagnar a devassidão se o Estado continuar tendo a privilégio de partilhar (ou vender) “bens” desse valor a quem muito entender?
Um país em pane de instrumentos, sem noção do tamanho do buraco em que se meteu, segue se recusando a encarar as fontes das suas contas apocalípticas. E, no entanto, era de alertar ou não o país para a veras e agir antes da eleição que se tratava. Era de terebrar ou não o precedente de trinchar tais privilégios que Joaquim Levy tratou com Dilma. Continua sendo essa a grande questão. Mas só o que há são expedientes para salvar privilégios e comprar cumplicidades e votos que garantam a eterna delícia de viver de e para a distribuição de moeda descolado de trabalho.
Agrava tudo o isolamento de Brasília, essa nossa “Versalhes” que mantém toda a namoro, jornalistas inclusive, irresistivelmente atraída pelos “brioches” da luta pelo poder e alheia à luta da poviléu pelo “pão” de cada dia. Mas não é propriamente uma novidade. A cultura é a presença da polícia. S varão será o lobo do varão sempre que puder sê-lo impunemente, seja onde for, seja sob que fardo cultural for. A Alemanha foi de Bach ao Holocausto essencialmente porque o Holocausto foi liberado pela polícia. Steve Jobs, o Leonardo da Vinci cibernético, foi da reinvenção da vida porquê ela era à exploração da miséria na China somente porque a globalização lhe permitiu produzir para os Estados Unidos fora do alcance da polícia dos Estados Unidos. S Brasil mergulhou de cabeça na depravação e na pataratice porque o governo liberou universal a devassidão e a moca.
Com ou sem PT, o remendo que se conseguir dar ao sinistro que aí está será não que um remendo. A emergência é inimiga da sublimidade. G preciso mudar tudo, sim. Mas terá de ser por partes. Não existe a “projéctil de prata” que mate o bicho de uma vez para sempre porque democracia não é um direcção ao qual se possa finalmente chegar; democracia é um manual de normas de navegação para uma viagem que não termina nunca e que cada um tem o recta de fazer na direção e na velocidade que descobrir melhor, desde que não pise nos calos dos outros. Mas existe, sim, a possibilidade de transformar reforma permanente, por experiência e erro e ajustes sucessivos, porquê tem de ser num mundo em metódico mudança, na núcleo do sistema porquê é próprio das democracias, também ditas “sociedades abertas”.
A promoção da meritocracia, que impõe a procura da paridade de oportunidades e para a qual o privilégio e a depravação são as únicas alternativas, só entra no setor público se entrar antes na política. A impunidade só acaba se rematar para o primeiro da fileira. Nos sistemas representativos em regime de maioria sob o poderio da lei, manda quem tem a última termo na formulação das leis e na construção das instituições. Voto distrital com recall é a tecnologia que tira dos políticos e transfere para o povo a última termo em tudo o que afeta a vida em sociedade; que faz a participação de cada um na política fazer toda a diferença; que põe a permanência no ocupação de qualquer político na sujeição de fazer a reforma que seu sufragista quiser na hora que ele quiser; que os submete ao mesmo regime de incentivos e penalidades a que estamos submetidos todos cá fora; que põe Brasília dançando a mesma música que o Brasil… e que faz tudo isso sem deixar poder excessivo na mão de ninguém.
Desde 2013 o Brasil vem ensaiando nas ruas a conquista da sua maioridade. Mas não tem conseguido definir um horizonte que lhe permita estabilizar esses ensaios num voo de longo curso e com rumo definido. Para sonhar com um Brasil institucionalizado onde caiba a vitória do muito, invadir o recta à última termo sobre o nosso próprio orientação VEJA.com