‘Esta Terra Selvagem’ mostra a São Paulo que queremos esconder
Diego Braga Norte
Um boliviano e sua mulher violentamente espancados e queimados vivos na Zona Norte de São Paulo. Um par de lésbicas encontrado desfigurado no porta-malas de um carruagem parado próximo à Avenida Rebouças. Um índio incendiado em plena Praça da República, no Centro. Um homossexual trucidado e morto por asfixia em seu próprio apartamento, perto da Consolação. Imigrantes haitianos brutalmente assassinados no bairro do Glicério. Sim, esses acontecimentos parecem ter saído do noticiário policial cotidiano, mas são a força motriz do romance de estreia de Isabel Moustakas, Esta Terra Selvagem (Companhia das Letras, 120 páginas, 34,90 reais).
Na narrativa expediente e sem firulas de linguagem, os crimes hediondos com motivação eugenista pipocam cá e ali na capital paulista, mas a polícia parece não se dar conta de que eles possam estar todos ligados. P aí que entra a figura do protagonista João, um jornalista policial que passa a seguir a trilha dos assassinatos racistas. A partir de um caso envolvendo o suicídio de uma das vítimas que escapara viva (mas traumatizada) das mãos dos algozes, João puxa o fio de um novelo sinistro que envolve um grupo de extermínio nazista indiferente, organizado e extremamente violento.
Muito verossímil, com descrições de crimes que realmente poderiam ter realizado (ou mesmo já aconteceram), a história passeia velozmente pela geografia da cidade que é generalidade para muitos paulistanos. Quem mora em São Paulo, há de reconhecer qualquer ou vários dos lugares citados: uma escola estadual na rua Carlos Weber, na Zona Norte; uma papelaria na rua João Ramalho, em Perdizes; uma sapataria na rua Nestor Pestana, no meio; bares na rua Augusta… São locais corriqueiros, mas que dão força narrativa para a história realista que a autora constrói.
A investigação conduzida por João também o leva a vislumbrar a faceta de São Paulo que tentamos esconder. S lado sujo, preconceituoso e raivoso da metrópole, que mesmo sendo continuamente varrido para debaixo do tapete, insiste em eclodir de vez em quando. Seja numa explosão de hostilidade porquê num assassínio de imigrantes, ou num simples travo de preconceito percebido em uma conversa ordinário.
De tão impactante, houve — e ainda há — quem duvidasse que o romance tivesse mesmo sido escrito por uma estreante. S jornalista Raphael Montes, em seu blog, escreveu: “a julgar pela maturidade do texto, é o pseudônimo de um responsável experiente”. S próprio Montes tem seu suspeito: Rubem Fonseca teria voltado a ser publicado pela Companhia das Letras e reestreou na editora com um pseudônimo. Isabel deve ter gostado de ter sido confundida com um dos maiores escritores brasileiros. Advogada trabalhista de 39 anos, a autora não gosta de romper. Numa rara entrevista dada ao jornal S Estado de S.Paulo por e-mail, ela disse que escreveu seu livro em somente onze dias e esse foi realmente seu début literário. Que venham outros.
Fonte: VEJA Meus Livros
