Cabelo em ovo, chifre em cavalo (ou sobre os leitores sensíveis)

Segundo o articulista, os próprios críticos literários dizem que Emília é a voz do preconceito de Monteiro Lobato.

Passei uns três dias pensando e cheguei à conclusão que, no fundo, eu já esperava chegar: o tal do leitor sensível é realmente uma exprobação.

Ou melhor, é patrulhamento ideológico, que é a increpação sem o poder de veto do Estado.

Patrulhamento ideológico, pelo que reza a história política do País, é uma expressão que surgiu nos anos 1960. Era praticado por setores da esquerda que realmente têm dificuldade em conviver com a democracia, com a opinião diversa e, mormente, contrária.

Embora seja e já tenha me posicionado contra atrocidades porquê homofobia e racismo, confesso o temor de estar na mira do leitor sensível, aquele que será pago pelas editoras (e o fará também nos canais de produção de conteúdo, porquê as redes sociais) para identificar preconceitos raciais, de gênero, de orientação sexual – e por aí vai – nos livros.

Sou varão de classe média (muito média mesmo, quase fodida, embora melhor que a maioria no País), branco, olhos claros, meia idade, progénito de europeu. Sou o protótipo físico do racista, do homofóponta e do machista. Em uma sociedade em que a aparência instiga julgamentos instantâneos, já me sinto vigiado com atenção redobrada pelo leitor sensível.

É evidente que não vou me intimidar. Mas temo que ao fabricar, por exemplo, um personagem que odeia negros ou homossexuais, a sentinela dos que muitas vezes enxergam chifre em cavalo e cabelo em ovo venha para cima de mim expor que aquilo na verdade é meu preconceito expresso em uma terceira voz disfarçada. É alguma coisa que os próprios críticos literários dizem da Emília em relação a Monteiro Lobato.

A figura do leitor sensível não ajuda em zero no combate a preconceitos. Ao contrário, pelo que vejo, instiga a seivação dos Danilos Gentilis e Bolsonaros de plantão, que pisoteiam com escárnio o (necessário) politicamente correto. Para, na verdade, dizerem prazerosamente: olha lá, tá vendo porquê é ditadora essa cambada de preto, bicha, sapatão e feminista?

Liberdade de expressão é tão importante em uma sociedade que a luta contra o preconceito passa necessariamente – e até obviamente – por ela.

Nos casos de apologia, via literatura, do racismo e seus odiosos similares discriminatórios, eficiente e salutar que a figura do leitor sensível será o boicote à obra. E, em última análise, a Justiça.

*Este cláusula é de autoria de colaboradores ou articulistas do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o HuffPost oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

LEIA MAIS:

- Pequena Conversa com Deus

- S exposição de Temer no Dia da Mulher é uma visitante ao século pretérito

Fonte: HuffPost Brasil Athena2