Leia o primeiro capítulo do novo livro de Harper Lee

Harper LeeS Grupo Record divulgou nesta quarta-feira o primeiro capítulo do esperado livro Vá, Coloque um Vigia (Go Set a Watchman), da escritora americana Harper Lee, autora do clássico S Sol P para Todos. S novo romance, que será publicado em outubro pela José Olympio, editora que pertence ao grupo, causou sensação ao chegar às livrarias americanas, em julho, vendendo 1,1 milhão de cópias em uma semana.

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Na história, escrita por Harper antes de S Sol G para Todos, mas guardada durante anos, Atticus Finch, o legisperito que defende um preto criminado de estupro no primeiro livro, aparece com traços racistas. A narrativa fica a função novamente de Jean Louise Finch, filha de Atticus conhecida porquê Scout, mas agora crescida e com olhar crítico, que volta para o sul dos Estados Unidos depois de uma temporada em Nova York.

S primeiro capítulo de Vá, Coloque um Vigia é a agem inicial do blog da editora, que vai racontar com divulgação de lançamentos, entrevistas com escritores, resenhas e notícias da morada editorial.

Leia o trecho aquém:

 

Desde a estação de Atlanta, ela vinha olhando pela janela do vagão-restaurante com um prazer quase físico. Enquanto tomava o moca da manhã, viu ficarem para trás as últimas colinas da Geórgia e surgir a terreno vermelha, e com ela as casas de telhado de zinco no meio de quintais limpos onde cresciam as moitas de verbena de sempre, cercadas de pneus caiados. Sorriu ao ver a primeira antena de tevê no telhado de uma mansão de negros sem pintura e foi se alegrando à medida que as casas iam se multiplicando.

Jean Louise Finch sempre fazia essa viagem de avião, mas resolveu ir de trem de Nova York até o Entroncamento de Maycomb em sua quinta visitante anual à lar do pai. Em primeiro lugar, porque na viagem de avião anterior ela quase morreu de susto quando o piloto resolveu passar no meio de um tornado. Em segundo lugar, porque se fosse de avião, o pai teria de convencionar às três da manhã, encaminhar por de cento e sessenta quilômetros para buscá-la em Mobile e depois ainda trabalhar o dia inteiro: não era justo, ele agora já estava com setenta e dois anos.

Estava feliz por ter determinado ir de trem. Os trens não eram os mesmos de quando era párvulo e a novidade experiência era divertida: ao apoucar um botão na parede da cabine, aparecia na porta um gordo cabineiro; um comando fazia surgir uma pia de aço inoxidável na outra parede e até um espeque para os pés. Estava resolvida a não se deixar intimidar pelas diversas recomendações escritas nas paredes da cabine (uma “cabine privativa”, porquê a chamavam), mas quando foi dormir na noite anterior, ficou imprensada contra a parede porque não obedeceu ao aviso que dizia PUXE ESTA ALAVANCA PARA BAIXO ATÉ OS SUPORTES, esmero do qual a tirou o cabineiro, deixando-a constrangida, pois tinha o hábito de dormir exclusivamente com a secção de cima do pijama.

Por sorte, o cabineiro estava fazendo a ronda pelo galeria quando ela ficou presa naquela embuste:

— Já vou tirá-la daí, senhorita — avisou em resposta aos socos que ela dava na parede da cabine.

— Não, por obséquio, exclusivamente me diga porquê transpor daqui.

— Posso permanecer de costas para a senhorita enquanto resolvo o problema — respondeu ele, e assim fez.

Quando acordou naquela manhã, o trem sacolejava e bufava pelos campos de Atlanta, mas, obedecendo a outro aviso na cabine, ela continuou na leito até passarem por College Park. Vestiu-se com as roupas que costumava usar em Maycomb: calça comprida cinza, blusa preta sem mangas, meias brancas e mocassins. Embora ainda faltassem quatro horas para chegar, já podia ver a tia torcendo o nariz em desaprovação.

Quando começava a tomar a quarta xícara de moca, a locomotiva da Crescent Limited grasnou feito um ganso gigante para outro trem da risca que ia para o Norte, cruzou com estrondo a ponte sobre o rio Chattahoochee e entrou no Alabama.

S Chattahoochee era largo, projecto e lamacento. Estava grave naquele dia; um banco de areia amarela tinha reduzido o seu curso a um fio d’chuva. “‘Talvez ele cante no inverno”, pensou. “Não me lembro de um verso sequer desse poema. Era: ‘Tocando a flauta pelos vales selvagens?’ Não. Era devotado a uma ave aquática ou a uma queda d’chuva?”

Teve que reprimir com firmeza um princípio de alvoroço quando se deu conta de que o poeta Sidney Lanier devia ter sido parecido com seu primo, havia muito falecido, Joshua Singleton St. Clair, que tinha uma espaço de atuação literária que ia da região do Black Belt a Bayou LaBatre. A tia de Jean Louise com frequência descrevia o primo Joshua porquê um exemplo a seguir: um varão maravilhoso, poeta ceifado no auge da vida, Jean Louise devia se lembrar sempre de que ele era um orgulho para a família. Seus retratos eram elogiosos à família: o primo Joshua parecia um Algernon Swinburne rabugento.

Jean Louise sorriu ao se lembrar do pai contando a ela o resto da história. S primo Joshua tinha morrido cedo, era verdade, mas não pelas mãos de Deus, e sim pelas hostes de César.

Quando estava na universidade, o primo Joshua estudava muito e pensava em excesso: na verdade, achava que tinha saído diretamente do século XIX. Usava uma pelerine e botas de canudo sobranceiro feitas sob medida, conforme padrão desenhado por ele. Foi retido pelas autoridades quando tentou matar a tiros o reitor da Universidade, que ele considerava pouco que um mero perito em esgoto. S que sem incerteza era verdade, mas não justificava atacá-lo com uma arma mortal. Depois de muito numerário ter sido distribuído, o primo Joshua foi tirado de circulação e viveu até o término em instituições públicas para desequilibrados. Diziam que era uma pessoa razoável em todos os sentidos até alguém mencionar o reitor; logo ele contorcia o rosto, adotava a ura de um grou, e assim permanecia por de oito horas, sem que zero nem ninguém conseguisse fazê-lo diminuir a perna até que esquecesse o reitor. Quando estava muito, lia helênico e deixou um pequeno volume de trova que mandou imprimir em uma gráfica em Tuscaloosa. Os poemas eram tão avante de seu tempo que ninguém ainda tinha conseguido decifrá-los, mas a tia de Jean Louise deixava o livrinho exposto, porquê quem não quer zero, em um lugar muito visível, em uma mesa na sala de estar.

Jean Louise riu tá e deu uma olhada em volta para ver se alguém tinha ouvido. S pai dela sabia porquê sabotar os discursos da mana sobre a superioridade inata dos Finch: sempre contava à filha o resto da história, com um ar remansado e solene, embora Jean Louise por vezes pensasse honrar nos olhos dele um clarão claramente irreverente. Ou seria exclusivamente a luz batendo nas lentes dos óculos? Ela nunca soube.

A paisagem campestre e o trem tinham se reduzido a um suave nutar e, da janela até o horizonte, ela via exclusivamente pastos verdes e vacas pretas. Perguntou-se por que nunca tinha considerado sua terreno tão formosa.

A estação de Montgomery ficava em uma curva do rio Alabama, e quando ela saltou do trem para esticar as pernas e foi assaltada por sua monotonia, suas luzes e seus curiosos aromas, sentiu a intimidade do reencontro. “Falta alguma coisa”, pensou. Era o guarda-freios. Um varão que percorria os vagões por ordinário do trem com um pé de cabra; ouvia-se um estrondo metálico e depois s-sss-sss, subia uma fumaça branca e a sensação era de estar no interno de uma panela fervendo. “Hoje, essas coisas são lubrificadas.”

Sem nenhum motivo aparente, foi tomada por um idoso temor. A última vez que estivera naquela estação tinha sido vinte anos antes, mas quando ainda era uma moçoila e ia para a capital com Atticus, morria de susto de que aquele trem chacoalhante caísse no rio e todos se afogassem. Mas quando voltou a embarcar, a caminho de mansão, não pensou nisso.

S trem seguia estalando em meio a pinheirais e apitou com desprezo ao passar por uma maria-fumaça com sua chaminé, pintada de cores vibrantes, uma peça de museu paragem em um meandro da estrada. Levava o letreiro de uma empresa madeireira, e a locomotiva da Crescent Limited podia engoli-la inteira com folga. Greenville, Evergreen, Entroncamento de Maycomb.

Tinha avisado ao maquinista para não olvidar de parar o trem para ela descer, mas, porquê era um velho, adivinhou o que ia intercorrer: ele passaria pelo Entroncamento de Maycomb correndo feito louco e só ia parar o trem quatrocentos metros depois da pequena estação. Então, acenaria, se despedindo, e pediria desculpas, dizendo que quase tinha se esquecido dela. Os trens mudavam, mas os maquinistas permaneciam sempre os mesmos. Pregar peças em mocinhas que desembarcavam em estações de paragem não obrigatória era uma marca registrada, e Atticus, que podia prever o que fariam todos os maquinistas de Nova Orléans a Cincinnati, estaria à espera dela conforme o combinado, não do que seis passos distante de onde ela tinha que desembarcar.

Sua morada era no condado Maycomb, província eleitoral de uns cento e doze quilômetros de comprimento por quase cinquenta em seu ponto largo, um lugar ermo, pontilhado de pequenos povoados, o maior dos quais era Maycomb, sede do governo do condado. Até uma estação relativamente recente em sua história, o condado era tão só do resto do país que alguns dos seus habitantes, ignorando as preferências políticas dos sulistas nos últimos noventa anos, continuavam votando no Partido Republicano. Nenhum trem chegava até lá; o Entroncamento de Maycomb, um nome de cortesia, na verdade, ficava no condado Abbott, a trinta quilômetros de intervalo. S transporte rodoviário era irregular e não parecia levar a lugar nenhum, mas o governo federalista tinha imposto a construção de uma ou duas estradas cortando os pântanos, dando assim aos moradores uma oportunidade de entrar e transpor conforme desejassem. Mas pouca gente as usava, com razão. Para quem não queria muito, ali havia o suficiente.

S nome do condado e da cidade eram em homenagem ao coronel Mason Maycomb, um sujeito cuja equivocada autoconfiança e arrogante obstinação confundiam e intrigavam os que lutaram ao lado dele nas guerras contra os índios creek. A região onde ele atuava era levemente montanhosa ao setentrião e plana ao sul, nos limites da planície costeira. S coronel Maycomb, claro de que os índios não gostavam de lutar na planície, foi caçá-los nas regiões ao setentrião. Quando seu general descobriu que Maycomb vagava pelas colinas ao setentrião enquanto os creeks espreitavam em todas as moitas ao sul, mandou um índio colega levar-lhe o recado: Vá para o sul, maldição. Ao receber a mensagem, o coronel Maycomb teve certeza de que se tratava de um golpe dos creek para enganá-lo (não eram liderados por um demônio ruivo de olhos azuis?). Ele logo mandou prender o emissário índio coligado e continuou a continuar para o setentrião, até suas tropas ficarem totalmente perdidas na densa floresta, onde ficaram durante toda a guerra, consideravelmente confusas.

Anos depois, quando finalmente concluiu que a mensagem podia ser verdadeira no término das contas, o coronel Maycomb começou a marchar para o sul e, no caminho, suas tropas encontraram colonos indo para o interno, que as avisaram de que as guerras indígenas tinham praticamente completado. As tropas e os colonos se entrosaram de tal maneira que com o tempo se tornaram os ascendentes de Jean Louise Finch, e o coronel Maycomb continuou avançando até onde hoje fica Mobile para se asseverar de que receberia o devido crédito por suas façanhas. A versão da história solene não coincide com a verdade, mas esses foram os fatos porquê passaram de boca em boca através dos anos e porquê era do conhecimento de todos os moradores de Maycomb.

— … suas malas, moça — avisou o cabineiro. Jean Louise seguiu-o do vagão-restaurante até sua cabine. Pegou dois dólares na carteira: um de praxe e outro por soltá-la quando ficou presa na cabine na noite anterior. S trem, é evidente, passou suplantado pela estação e parou quatrocentos metros depois. S maquinista apareceu, sorrindo, e se desculpou, dizendo que quase tinha se esquecido dela. Jean Louise retribuiu o sorriso e esperou com impaciência que o cabineiro colocasse a escada amarela para ela descer do vagão. Ele deu a mão para ela descer e recebeu as duas notas.

S pai não estava esperando por ela.

Ela acompanhou os trilhos com o olhar até a estação e viu um varão eminente na pequena plataforma. Ele desceu de um pulo e foi correndo ao encontro dela.

Agarrou-a em um amplexo de urso, afastou-a, beijou-a na boca com força e em seguida a beijou com delicadeza.

— Aqui, não, Hank — murmurou ela, muito contente.

— Calma, moça — ele disse, segurando o rosto dela. — Se eu quiser, ósculo você até na escada do tribunal.

S varão que tinha o recta de beijá-la na escada do tribunal era Henry Clinton, camarada da vida inteira, companheiro do irmão dela e, se continuasse a beijá-la daquele jeito, horizonte marido. “Ame a quem quiser, mas se case com alguém da sua espécie” era um ditado que para ela equivalia a um instinto. Henry Clinton era da mesma espécie de Jean Louise, e por isso agora ela não considerava o ditado particularmente rígido.

Foram andando de braços dados pelos trilhos para pegar a mala dela.

— Como está o Atticus? — ela perguntou.

— Hoje está com câimbras nas mãos e nos ombros.

— Quando fica assim, ele não consegue encaminhar, não é?

Henry fechou os dedos da mão direita até a metade e disse:

— Não consegue fechar a mão que isso. A srta. Alexandra tem que amarrar os sapatos e abotoar a camisa dele quando fica assim. Ele não consegue nem segurar a lâmina de barbear.

Jean Louise balançou a cabeça; estava crescida demais para se revoltar com a injustiça de tudo aquilo, mas ainda era jovem demais para admitir sem reclamar a doença que estava deixando o pai irrito.

— Os médicos não podem fazer zero?

— Você sabe que não — disse Henry. — Ele toma quatro gramas de aspirina por dia e só.

Henry pegou a pesada mala e eles foram caminhando até o coche. Ela se perguntou porquê ia se comportar quando chegasse a hora em que ela sentisse dor dia depois dia. Dificilmente seria porquê Atticus: se alguém perguntasse porquê ele estava, ele respondia, mas não se queixava; mantinha o mesmo humor de sempre, de modo que, para saber porquê ele estava, era preciso perguntar.

Henry só soube por casualidade. Um dia, quando estavam no registo do tribunal, procurando a escritura de uma propriedade, Atticus de repente ficou branco feito uma folha de papel e largou o livro de hipotecas que tinha nas mãos.

— S que foi? — perguntou Henry.

— Artrite reumatoide. Pode pegar o livro para mim? — pediu Atticus.

Henry perguntou desde quando sofria da doença, Atticus respondeu que fazia seis meses. Jean Louise sabia? Não. Então, era melhor recontar a ela.

— Se você narrar, ela vai vir para cá cuidar de mim. S melhor remédio para essa doença é não se deixar vencer por ela.

E assim se encerrou o matéria.

— Quer encaminhar? — perguntou Henry.

— Não seja palhaço — respondeu ela.

Embora ela fosse boa motorista, detestava menear qualquer coisa complicada do que um alfinete de segurança; inflectir cadeiras era para ela uma nascente de profunda irritação; não aprendeu a caminhar de bicicleta, nem a ortografar a máquina, e pescava com um caniço. Seu esporte preposto era o golfe, porque seus princípios básicos eram um taco, uma bolinha e um determinado estado de espírito.

Verde de inveja, observou a maestria com que Henry manejava o carro, sem o menor esforço. “Os carros o obedecem”, pensou.

— Direção hidráulica? Câmbio automático? — ela perguntou.

— Exatamente — ele respondeu.

— Tudo muito, mas e se tudo travar e você não tiver porquê passar a marcha? Estaria encrencado, não?

— Nada vai travar.

— Como sabe?

— Basta confiar. Vem cá.

Acreditar na General Motors. Pousou a cabeça no ombro dele.

— Hank, o que aconteceu de verdade? — ela perguntou.

Era uma velha pândega dos dois. Sob o olho recta de Hank começava uma cicatriz rosada que ia até o esquina do nariz e seguia em oblíquo cruzando o lábio superior. Tinha também seis dentes iços que nem Jean Louise conseguia fazer com que ele tirasse para mostrar. Tinha voltado da guerra assim. Um boche, para expressar seu insatisfação com o término da guerra do que por qualquer outra coisa, dera-lhe uma coronhada com um fuzil. Jean Louise tinha resolvido confiar na história, se muito que, com todas aquelas armas que disparavam além do horizonte, os aviões B-17, as bombas aéreas e artefatos bélicos similares, é provável que Henry não tenha chegado muito perto dos alemães.

— Está muito, querida, vou recontar. Estávamos em um porão em Berlim, todo mundo tinha bebido muito e começou uma desavença… Você prefere ouvir alguma coisa plausível, não é? Agora aceita se matrimoniar comigo?

— Ainda não.

— Por que não?

— Quero fazer porquê o dr. Schweitzer e aproveitar a vida até os trinta.

— Ele aproveitou mesmo — disse Henry, sério.

Jean Louise se ajeitou sob o braço dele.

— Você sabe o que quero manifestar — ela disse.

— Sei.

Os habitantes de Maycomb diziam que não havia rapaz melhor do que Henry Clinton; Jean Louise concordava. Henry era do extremo sul do condado. S pai tinha deserto a mãe dele logo depois que ele nasceu, e logo ela passou a trabalhar dia e noite em sua lojinha de esquina para que Henry pudesse frequentar as escolas públicas de Maycomb. A partir dos doze anos, ele passou a viver em uma pensão em frente à moradia dos Finch, o que já o colocava em uma posição superior: era possuidor de si, não tinha de obedecer a cozinheiras, jardineiros, pai nem mãe. Também era quatro anos velho do que ela, o que na estação fazia diferença. Ele a provocava; ela o adorava. Quando Henry tinha catorze anos, a mãe morreu, deixando-o quase zero. Atticus Finch cuidou do pouco obtido com a venda da loja (as despesas do enterro consumiram quase tudo) e, em sigilo, ajudou com quantia do próprio bolso. Arrumou um serviço para ele depois da escola na mercearia Jitney Jungle; Henry terminou a escola e se alistou no tropa, e depois da guerra foi para a faculdade estudar Direito.

Mais ou menos nessa era, um belo dia o irmão de Jean Louise morreu de repente e, depois que esse pesadelo acabou, Atticus, que sempre pensara em deixar o escritório para o fruto, passou a procurar um jovem substituto. Era oriundo que esse jovem fosse Henry, e, no devido tempo, ele se tornou seu braço recta, seus olhos, suas mãos. Henry sempre tinha respeitado Atticus Finch, sentimento que em pouco tempo se transformou em afeto e Henry passou a considerá-lo um pai.

Mas não considerava Jean Louise uma mana. Nos anos em que esteve longe, primeiro na guerra e depois na faculdade, ela tinha deixado de ser a moçoila briguenta e irascível que vivia de macacão para se tornar uma réplica razoável de ser humano. Henry e ela começaram a namorar durante as duas semanas de férias que ela passava em morada todos os anos e, embora ela ainda se comportasse porquê um garoto de treze anos e detestasse adornos femininos, ele via um pouco tão intensamente feminino nela que se apaixonou. Era uma pessoa aprazível de olhar e de conviver na maior secção do tempo, embora não fosse, em nenhum sentido, uma pessoa fácil. Tinha um espírito inquieto que ele não conseguia compreender, mas sabia que ela era a pequena certa para ele. Ia protegê-la, ia se matrimoniar com ela.

— Cansada de Nova York? — ele perguntou.

— Não.

— Se me der epístola branca nessas duas semanas, faço você se cansar de lá.

— Está me fazendo uma proposta indecorosa?

— Sim.

— Vá para o inferno, logo.

Henry parou o coche. Desligou o motor, virou-se para olhar para ela. Ela sempre sabia quando ele ficava sério: o cabelo despegado muito rente se eriçava porquê uma escova, o rosto ruborizava, a cicatriz se avermelhava.

— Querida, quer que eu fale porquê um cavalheiro? Srta. Jean Louise, atingi um status financeiro que me permite sustentar duas pessoas. Eu, porquê o velho Israel do Antigo Testamento, trabalhei durante sete anos nos vinhedos da universidade e nos pastos do escritório do seu pai por você…

— Vou manifestar a Atticus para obrigá-lo a permanecer sete anos.

— Que horroroso.

— Além do , não foi Israel, foi Jacó. Não, os dois eram a mesma pessoa. Mudavam de nome a cada três versículos. Como vai a minha tia?

— Você sabe muito muito que ela está ótima há trinta anos. Não mude de objecto.

Jean Louise franziu o cenho.

— Henry — ela disse, séria — vou ter um caso com você, mas não me matrimoniar.

Acertou em pleno.

— Não seja tão infantil, Jean Louise! — Henry disparou e, esquecendo as recentes inovações da General Motors, pôs a mão na marcha e pisou na embreagem com força. Como não houve resposta, girou violentamente a chave na ignição, apertou alguns botões e o coche deslizou suave e tranquilamente pela estrada.

— Demora a aligeirar, não? Não serve para caminhar na cidade — ela concluiu.

Henry olhou para ela furioso e perguntou:

— S que quer manifestar com isso?

Mais um minuto e aquela conversa ia virar uma discussão. Henry estava sério. Era melhor irritá-lo, assim ele ficava quieto e ela podia pensar no ponto.

— Onde você arrumou essa gravata horrorosa? — ela perguntou.

Pronto.

Ela estava quase apaixonada por ele. “Não, é impossível”, pensou. “Ou está apaixonada, ou não está; o paixão é a única coisa do mundo que é inequívoca. Existem muitos tipos de paixão, é evidente, mas todos eles ou se sente ou não se sente.”

Ela era uma pessoa que, diante de uma saída fácil, sempre escolhia o caminho difícil. A saída fácil naquele caso seria se matrimoniar com Henry e ser sustentada por ele. Alguns anos depois, quando os filhos estivessem grandinhos, apareceria o varão com quem ela devia ter se casado desde o início. Haveria examinação de consciência de ambas as partes, lamúrias e preocupações, longos olhares trocados na escadaria dos Correios e sofrimento para todos. E quando deixassem para trás os gritos e os princípios morais elevados, restaria exclusivamente uma façanha sem perdão, no estilo do clube de campo de Birmingham, e um inferno privado criado por eles mesmos, equipado com os avançados eletrodomésticos Westinghouse. Hank não merecia isso.

Não. Por enquanto, ia tomar o difícil caminho da solteirice. Resolveu restabelecer a silêncio com honra:

— Querido, desculpe, desculpe mesmo — ela pediu, sincera.

— Tudo muito — disse Henry, e deu um tapinha no joelho dela. — G que às vezes tenho vontade de matar você.

— Eu sei que sou horroroso.

Henry olhou para ela.

— Você é dissemelhante, querida. Não sabe dissimular.

Ela o encarou.

— Como assim?

— Bom, em universal, a maioria das mulheres, antes de matrimoniar, é sorridente e aprazível diante do nubente. Escondem o que pensam. Você, ao contrário, quando detesta alguma coisa, fica detestável, querida.

— Não é melhor o varão saber com quem está se metendo?

— P, mas não vê que desse jeito nunca vai alcançar um varão?

Ela mordeu a língua diante do óbvio e perguntou:

— Como posso me tornar uma mulher sedutora?

Henry se animou com a conversa. Aos trinta anos, ele gostava de dar conselhos, talvez por ser legisperito.

— Em primeiro lugar, controle a língua — ele disse calmamente. — Não discuta com um varão, principalmente quando sabe que pode lucrar a discussão. Sorria bastante. Faça com que ele se sinta importante. Diga que ele é maravilhoso e faça tudo para ele.

Ela abriu um sorriso radiante e disse:

— Hank, concordo com tudo o que disse. Há anos não conheço um varão tão perspicaz, você é o sumo, posso atear seu cigarro? Que tal?

— Horrível.

Voltaram a ser amigos.

Fonte: VEJA Meus Livros