‘Big Science’ na floresta

O projeto de enriquecimento de CO2 para árvores na Carolina do Norte (EUA) (Foto: Universidade Duke)

O projeto de enriquecimento de CO2 para árvores na Carolina do Norte (EUA) (Foto: Universidade Duke)

SE ALGUM DIA você estiver sobrevoando a Amazônia ao norte de Manaus, com alguma sorte, poderá observar estruturas semelhantes a estas acima, emergindo do dossel de uma floresta na Carolina do Norte. Vistas de longe, não dão muita pista sobre o que podem ser. Seriam vestígios de alguma antiga civilização avançada que habitou a região? Algum sinal de presença extraterrestre na região?

Essas torres ordenadas em círculos são certamente prova de que há vida inteligente ali, mas de um tipo trivial: cientistas tentando entender como funciona a floresta. No ano que vem, entrará em operação o primeiro conjunto de torres do experimento Amazon Face, que tentará descobrir como o excesso de gás carbônico atmosférico (o CO2, que hoje causa o efeito estufa) afetará a vida da mata.

Não é uma questão simples. Apesar de o efeito estufa ser a causa do aquecimento global, que levará secas à Amazônia, o CO2 em si serve como alimento para plantas. Ele pode permitir que elas ganhem massa, mesmo num clima onde as chuvas serão escassas, e ajude as árvores a enfrentarem o estresse hídrico.

No experimento, torres como as mostradas acima servirão para bombear CO2 sobre conjuntos restritos de árvores e ver como elas se saem comparadas a outras sob menor concentração do gás, conforme explicamos em reportagem publicada no mês passado. O experimento, o primeiro do tipo em uma floresta tropical, passou uma década de planejamento e só agora recebeu confirmação de financiamento (US$ 11 milhões) para sua fase inicial, bancada sobretudo por recursos públicos federais e estaduais.

Outra parte do orçamento sairá do BID (Banco Inter-Americano de Desenvolvimento). Alguém pode se perguntar por que uma instituição que financia projetos econômicos e sociais está ajudando a bancar um experimento de ciência básica. A resposta está na quantidade de projetos de infra-estrutura –sobretudo hidrelétricas– que o banco costuma fomentar na região. A saúde da floresta, que corre o risco de ressecar e virar savana sob o aquecimento global, é de interesse vital para o desenvolvimento regional: sem árvores a floresta não reteria a água necessária para mover turbinas de tantas hidrelétricas.

SECAS E QUEIMADAS

Mas mesmo um mega-experimento como esse não é suficiente para elucidar a questão. Tentativas de simular o futuro da Amazônia em computador indicavam inicialmente a savanização era algo a se temer, mas agor os melhores modelos computacionais sobre a dinâmica da floresta parecem pender para o outro lado. Para resolver esse dúvida, o resultado do Amazon Face precisará ser analisado em contraposição a outros projetos. São experimentos importantes, que ressecaram trechos de floresta propósito, feitos nas florestas nacionais de Caxiuanã e do Tapajós, ambos no Pará. E grandes experimentos de incêndios florestais, como o realizado na fazenda Tanguro, em Mato Grosso, também serão importantes.

O clima amazônico, afinal, não deverá revelar de maneira fácil os segredos sobre seu futuro. Como ainda é impossível realizar um experimento de grande escala que produza ao mesmo tempo aumento na concentração de CO2 e escassez hídrica, quem tentará fornecer respostas sobre o risco de savanização serão os próprios modelos computacionais, realimentados com informações dos próprios experimentos.

Além disso, como a floresta é um sistema complexo, não necessariamente os efeitos da mudança climática sobre esse a Amazônia podem ser replicados em pequenos pedaços de floresta, como aqueles que abrigaram os experimentos de ressecamento e o Amazon Face. Para isso, pesquisadores devem continuar estudando em diversos pontos da floresta o fluxo de água, gás carbônico e outras substâncias da mesma forma que o LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia), o maior projeto de pesquisa em ecologia da região, que reinou impávido na ciência amazônica durante duas décadas. O projeto espalhou diversas de suas torres de medição de fluxo de gases por toda a Amazônia, e parte da infraestrutura usada ainda pode ser aproveitada.

MEGA-TORRE

Mais pesquisas de monitoramento devem agregar dados para responder à questão da mudança climática na floresta, porém. Em 2015 também deve finalmente começar a deslanchar para valer o projeto Atto (Amazon Tall Tower Observatory), que sofreu um certo atraso. A ferramenta central dessa iniciativa será uma torre de 320 metros –quase o dobro da altura do Edifício Itália– a 133 km de distãncia de Manaus. O projeto vai monitorar a atmosfera amazônica com um recorte vertical sem precedentes, e permitirá observações num raio de de 1.000 km.

O entusiasmo investido em todos esses projetos de ‘Big Science’ agora –além do dinheiro– reflete de certa forma a urgência com que é preciso estudar os efeitos do desmatamento e da mudança climática na Amazônia. Dados relevantes sobre a região como os coletados pelo LBA, por exemplo, levaram de 20 anos para produzirem um conhecimento relevante. O Amazon Face, por sua vez, está programado para durar 12 anos. Se cientistas demorarem muito para tentar entender o que acontecerá com a Amazônia –e se o mundo tiver de enfrentar os piores cenários previstos para o aquecimento global–, corremos o risco de ver os fatos atropelando as previsões.

Fonte: Teoria de Tudo