A morte de Gianni Versace e o renascimento de Madonna com ‘Ray of Light’

"Viajando, viajando aos braços da inconsciência" ("Traveling, traveling / In the arms of unconsciousness"), cantou Madonna no single observado por Bjork "Bedtime Story", lançado em 1995. Superexposta e atacada após a turbulência que cercou "Erotica" e o livro lascivo Sex, ela criara uma fantasia sobre desligar-se da veras. "Hoje é o último dia que estou usando palavras / Elas se foram, perderam sentido" ("Today is the last day that I'm using words / They've gone out, lost their meaning").

Mas em 1998 Madonna havia despertado outra vez. Em "Sky Fits Heaven", a sétima filete da obra-prima de eletro-rock iluminado "Ray of Light", ela repetiu a frase familiar, só que desta vez concluiu em tom otimista: "Viajando, viajando / Observando os sinais enquanto sigo" ("Traveling, traveling / Watching the signs as I go"). Desta vez, a rainha da reinvenção na música pop estava tudo menos inconsciente.

S caminho que trilhou entre "Bedtime Story" e "Ray of Light", que completou 20 anos em 22 de fevereiro, coloca Madonna no meio da cultura das celebridades por volta de 1997 (quando ela passou cinco meses escrevendo e gravando o álbum) e o início de 1998 (quando lançou e divulgou o álbum, que acabaria por recrutar três Grammy e seis prêmios do MTV Video Music Awards). Aproximando-se dos 40 anos e competindo com uma geração novidade de artistas jovens apresentados pelo ducto A&R, Madonna corria o risco de transpor do estrelato mainstream – um dos muitos setores da sociedade que não reage muito às mulheres maduras – devido à idade. Em vez disso, o envolvente borbulha, e os toques místicos de "Ray of Light" formaram uma benção de vanguarda que reabilitou a imagem da cantora, numa tacada de sucesso que poucos artistas maduros hoje poderiam sonhar em conseguir. Ela dera à luz à sua filha pouco antes, estava energizada pelo estudo da Cabala e a prática da ioga ashtanga, mas não estava interessada em tirar licença-maternidade.

Sua eminência no final dos anos 1990 pode ser vislumbrada com ainda perspicuidade graças a um pormenor sobre a criação de "Ray of Light", seu sétimo álbum gravado em estúdio: no dia 15 de julho de 1997, no dia em que gravou "Swim", Donatella Versace lhe telefonou para expor que seu irmão Gianni fora morto a tiros diante de sua mansão em Miami.

William Orbit, o produtor inglês que ajudou a dar forma a "Ray of Light", relatou esse incidente pelo menos duas vezes já. A primeira vez foi em 1998, em entrevista à Music Week.

"No dia em que ela gravou 'Swim", Madonna recebeu uma ligação a caminho do estúdio, dizendo que Versace, seu vizinho, tinha sido assassinado", ele contou. "A letra já tinha sido escrita antes, mas ela é relevante."

Ele voltou a narrar a história em 2002.

"Íamos gravar 'Swim' no dia em que Versace foi assassinado", Orbit disse à revista Q. "Madonna era muito amiga dele e da irmã dele, Donatella, que estava na rua, apavorada, falando ao celular com Madonna. Mas Madonna gravou o vocal mesmo assim, e deve ser por isso que ele tem um impacto emocional tão possante."

Mandei um e-mail a Orbit leste mês para lhe pedir detalhes. "Há toda uma história em volta desse incidente", ele confirmou, mas ao mesmo tempo se negou a ser entrevistado. Representantes de Madonna e Donatella Versace não responderam às minhas perguntas.

S roupa de Madonna ser amiga dos Versace, nascidos na Calábria, era amplamente espargido. Ela posou para uma campanha da grife deles em 1995, quando, porquê indica Orbit, tanto ela quanto Gianni tinham casas na rua 64, em Manhattan (se muito que não fossem vizinhos contíguos). Um mês e meio depois de gravar "Swim", Madonna escreveu uma homenagem fúnebre ao estilista publicada pela revista Time, recordando, entre muitos outros detalhes, os tempos em que emprestou a mansão italiana dele. "Tenho um bolso pleno de lembranças imperdíveis em meu jeans Versace", ela escreveu.

Madonna, Donatella Versace and Cher attend a gala tribute to Gianni Versace at the Metropolitan Museum of Art in New York City.

À primeira vista, o assassínio de Versace por Andrew Cunanan – relatado na temporada atual da série de Ryan Murphy no FX "American Crime Story" – não passa de uma coincidência infeliz, no que diz reverência à sua relação com "Ray of Light". Madonna não compôs "Swim" em resposta à morte de Versace, mas teve que trovar a canção, que fala dos "pecados" do mundo, no dia em que uma de suas amigas famosas lhe informou que outro de seus amigos famosos acabara de morrer. Madonna chorou a morte dele no estúdio, do mesmo porquê porquê eu ou você ainda temos que comparecer ao trabalho depois de receber uma notícia trágica.

Mas o evento a posicionou, mesmo que de modo privado, ao meio de uma tragédia internacional – porquê tinha estado durante a crise da Aids, quando, por exemplo, ela criou a balada "In This Life", do álbum "Erotica", dedicada a seu camarada e colaborador de longa data Martin Burgoyne, que morrera da doença em 1986. De todas as pessoas a quem poderia ter telefonado para transmitir a notícia da morte escandalosa de seu irmão, Donatella Versace escolheu vincular para Madonna, notoriedade das celebridades. E que episódio da curso de Madonna condiz com essa narrativa que aquele que é devotado ao seu fortalecimento místico?

"Deite a cabeça no meu ombro, baby / As coisas não podem piorar / A noite está esfriando / Às vezes parece que a vida é uma desgraça" ("Put your head on my shoulder, baby / Things can't get any worse / Night is getting colder / Sometimes life feels like it's a curse"), canta Madonna em "Swim", que começa em clima de serenidade melancólica e então evolui para uma raiva gutural impossível de subestimar, mesmo sem saber qual era o estado de ânimo de Madonna no dia em que foi gravado. "Swim" é uma das poucas faixas de "Ray of Light" que não nos oferece um vislumbre de clima zen em sua reflexão, então Madonna, em vez disso, secção em seguida para a lustroso canção-título do álbum, cuja letra vira um bálsamo: "Zéfiro no céu à noite, eu me pergunto / será que minhas lágrimas de luto afundam debaixo do sol? ... Ela conquistou um pedacinho do paraíso / Esperando pelo tempo em que a Terra estará unida" ("Zephyr in the sky at night I wonder / Do my tears of mourning sink beneath the sun? / ... / She's got herself a little piece of heaven / Waiting for the time when Earth shall be as one").

A vida vai continuar, apesar da ira do país diante de suas provocações, apesar do desaparecimento de Versace, apesar do vestimenta de a indústria músico não propiciar as artistas que alcançam datas de validade arbitrárias depois de terem sido coroadas porquê realeza americana quando eram adolescentes ou jovens de 20 e poucos aninhos. (Para falar desse último ponto: Madonna teve uma canção que ficou entre as Top 10 ainda em 2012. Ela tinha 54 anos! Quase nenhum de seus pares pode se gabar de tal proeza nessa idade.)

Na veras, o álbum "Ray of Light" inteiro tem um clima de renovação após qualquer tipo de morte – a perda palpável da juventude, um siso passageiro de que o desespero de Madonna de estar sempre em cima da vaga tinha se enfraquecido (é evidente que ele voltaria em pouco tempo, porque Madonna é perito na gestão de sua própria imagem). É por isso que seu embelezamento virtual -- "Nada leva o pretérito embora / tanto porquê o horizonte / Nada faz a escuridão desvanecer / tanto quanto a luz" (Nothing takes the past away / Like the future / Nothing makes the darkness go / Like the light"), ela canta em "Nothing Really Matters" ― atua porquê transformação suplementar. Sua vida interno foi posta a nu, e os resultados foram um poema tonal extenso.

Mais há outra coisa que me labareda a atenção nesse álbum: mesmo com uma fita que se metamorfoseou em resposta à morte de outro artista, Madonna não a sentiu porquê tão pessoal quanto o resto de nós sentimos. Pelo veste da letra da canção ser sofisticada que a de "Holiday" ou "Lucky Star", por exemplo, a recepção aduladora deixou entender que os convites à pista de dança sobre os quais Madonna construíra sua curso eram superficiais demais para serem levados a sério – uma avaliação persistente, mas trivial, do pop feito por mulheres.

"Mas meus outros álbuns também foram pessoais", Madonna disse à revista Spin em matéria de cobertura em 1998. " 'Bedtime Stories' foi pessoal, acredite. 'Erotica' foi pessoal. Talvez eu seja letrista melhor hoje do que então. Espero que sim. Acho que nos meus últimos discos eu estava escrevendo com sentimentos de raiva, de frustração, de amargura, de me sentir uma vítima e estar muito na defensiva. Pão me sinto assim neste momento."

Essa fala espelha alguma coisa que Madonna comentou quando a entrevistei sobre seu álbum recente, "Rebel Heart", em 2015: "Muita gente fala 'você escreveu tantas canções pessoais neste disco', mas acho que escrevi muitas canções pessoais em meu último disco ['MDNA'], só que as pessoas não prestaram atenção a ele. Mas tudo muito. As coisas acontecem por uma razão."

É a prova de que Madonna é obrigada a provar seu valor sempre, que, pelo trajo de ser uma mulher que veio a Nova York porquê dançarina de formação clássica em procura da notabilidade, seu trabalho de letrista frequentemente não será encarado com a mesma seriedade com que são tratados seus colegas homens. Mas o incidente envolvendo Versace revela um pouco profundo: a história de uma pessoa em torno de quem giram os altos e baixos da cultura de massas e que derramou sua própria evolução porquê ser humano nas contribuições que fez a essa cultura.

É porquê se tudo que Madonna tivesse feito até então, artística e comercialmente, a tivesse levado a "Ray of Light". Ela estava consciente que nunca.

Fonte: HuffPost Brasil Athena2