A covardia de chamar mulher de louca

Leila Diniz como a cangaceira Dadá. Filme "Corisco, o diabo loiro", 1969

Leila Diniz como a cangaceira Dadá. Filme “Corisco, o diabo loiro”, 1969

Tás louca”. O pseudo argumento de nove entre dez homens quando as mulheres têm razão. (Karina Jucá, de Belém do Pará, no Facebook)

Quando acaba a decência e a razão machista encurta, só nos resta, acuados, chamar a mulher de louca. Quantas vez não me peguei nesse jogo sujo, assumo.

Quando o menino desatina, a louca é sempre a menina.

Quando estamos à beira do hospício, amarrados com as cordas do agave do velho Erasmo de Roterdam, rumo ao Santa Tereza do Crato, rumo a Itapira ou Barbacena, só nos resta berrar: só pode estar louca essa peste!

Quando somos pegos com a boca na botija e nada justifica o vacilo, só nos resta um indignado, indignadíssimo, você tá louca?

Quando ela realmente está louca de amor e não correspondemos, só nos resta dizer “você confundiu as coisas”, você tá louca.

Quando ela dança com outro e diz que é sem compromisso, até o Chico alerta, no seu belo lirismo: não faça papel de louca, para não haver bate-boca dentro do salão…

Quando ela realmente fica pirada, de tanto ser chamada de maluca, só nos resta, porcos chauvinistas, nos dizermos donos da razão histórica: “Bem que eu falei que você é louca de pedra, bem que eu falei…”

Quando ela enche o saco e vai embora, só nos resta chorar as pitangas, ouvindo um Waldick Soriano ou um Leonard Cohen na radiola. No que o garçom tenta nos confortar, com drinque caubói e a conclusão de sempre: “Mulher é tudo louca, amigo, não tem explicação, relaxa”.

Quando…

Quando ela enche, vai com outro e nos enfeita a fronte do artista, quem dera tivéssemos feito ela cantar vezes “me deixas louca” -em vez de reclamar da sua bela falta de juízo.

Fonte: Xico Sá